entrevista

Glauber Sampaio

Designer e Desenvolvedor
4 de Fevereiro de 2021

Denise: Para começar, Glauber, quem é você na fila do pão? Fala um pouquinho de você.

Glauber: Eu sou nascido e criado no Ceará, e comecei na vida de desenvolvedor quando tinha 13 ou 14 anos de idade. Não tinha muito o que fazer então fui programar. Fazia uns freelas no interior do Ceará, em São Paulo e Minas. Depois comecei a tomar conhecimento de design mais por necessidade, pois gosto de criar coisas. Quando acabou o terceiro ano, descobri uma faculdade particular em Fortaleza que havia lançado o primeiro curso de Design da cidade.

Me formei quando tinha 23 anos e fui morar no Rio, quando trabalhei na Work&Co, que é uma agência de produtos digitais. Depois vim para São Paulo em 2016 e aqui fiquei. Eu me acostumei com São Paulo no primeiro dia. Apesar de morar em Fortaleza, nunca fui uma pessoa de praia. Estou aqui há quatro anos me equilibrando entre a vida saudável, a vida de São Paulo super caótica, e meu trabalho.

Fora isso, toco piano desde os 11 anos de idade. De vez em quando, faço algumas músicas que estão no Spotify, que eu morro de vergonha, mas estão lá. Ano passado andei vendendo muitos quadros de ilustrações e pinturas. Estou louco pra voltar a fazer isso, mas o tempo não tá dando. Também adoro ler, correr, fazer várias coisas ao ar livre. Já pulei de paraquedas duas vezes e pretendo fazer a terceira vez. E é isso, esse sou eu na fila do pão.

Muitas coisas na fila do pão. E como foi seu primeiro contato com a programação?

Lá por volta de 2008, me deparei com o FrontPage. Todo mundo que usou o Windows na vida já lidou com o Prompt. Descobri que existiam hackers, e uma universidade que você aprendia a mexer em códigos, fazer vírus pro computador e colocar dentro de um disquete. Eu queria fazer aquilo, não pela maldade, mas porque achava interessante o fato de se comunicar com o computador.

Comecei a fuçar nos programas que vinham com o Windows Microsoft, e vi que tinha o FrontPage. Me lembro até hoje a primeira vez que eu coloquei um Radio Button, que é o elemento mais clássico de um formulário e pensei “Meu Deus, eu não acredito que acabei de criar uma página em HTML. Estou me sentindo o hacker.”

Depois achei o Dreamweaver e o Flash, mas o Flash só funcionava se você soubesse código – o ActionScript. Quando vi aquilo, enxerguei um mundo completamente diferente. Passei quase um ano e meio tentando aprender aquela linguagem de programação por conta própria, até que desisti. Comecei a aprender JavaScript, HTML, CSS, tudo de uma vez e criar coisas para mim mesmo. Para mim esse foi o momento onde eu de fato me apaixonei. Eu adoro código, pra mim existe elegância na forma como você programa. Eu vi isso nessa época e é o que eu vejo até hoje.

"Eu adoro código, pra mim existe elegância na forma como você programa. Eu vi isso quando comecei e é o que eu vejo até hoje."

Demais! E eu vejo pelo seu histórico profissional que você sempre teve essa dupla função, sempre foi designer e programador ao mesmo tempo. Como que foi para você conciliar essas duas jornadas e conseguir desenvolver as duas habilidades ao mesmo tempo?

Na época tinha a profissão chamada de Webdesigner, na real era Webmaster. Eu até brinco um pouco com isso dizendo que eu sou o eterno Webmaster. Essa profissão era a profissão na qual o designer sabia fazer o código, não tinha uma separação. Só tinha separação se você era um programador back-end, ou seja mexia com servidores, PHP e todas essas linguagens um pouco mais robustas, e front-end, que mexia com HTML, CSS e tudo mais. Se você lidava com o front, claramente poderia fazer o design.

Não tinha divisão entre UX e UI Design, existia Design Gráfico e Web Design. Acabei caindo nessa leva da indústria, onde as pessoas que faziam design para um site também codavam. Era o padrão, então eu não pensava muito nessa questão de como equilibraria as duas coisas, porque era necessário para o emprego.

Sim, total. Nesses meados dos anos 2000, muita gente virou webdesigner fuçando e entrou nesse mundo obscuro aprendendo sozinho mesmo. Comigo foi assim também, mas você seguiu muito mais para esse lado e eu deixei de codar. Mas enfim, você fez essas passagens pela Work&Co e pela Accenture. Como foi o momento em que você decidiu virar freela?

Eu sempre trabalhei dentro de uma empresa. Sempre fiz projetos para outros clientes, mesmo trabalhando dentro em um lugar fixo, e só fiquei 4 meses como freelancer full time por volta de 2012 a 2013. Eu não tinha grandes preocupações. Morava num apartamento que era dos meus pais, então não pagava aluguel. Não tinha muita preocupação em me manter. Super privilegiado, eu entendo, mas foi essa a situação. Então sempre fui levando a vida de freelancer em paralelo, pegando projetos à parte.

A vontade surgiu ainda no início do ano passado (de 2020) quando parei pra pensar que já fiz tudo o que tinha que fazer – já tive a experiência que achei que tinha que ter dentro de uma estrutura muito grande. A experiência foi super válida, mas acredito que tem coisas que podem ser mais enxutas.

"Até hoje as pessoas com quem eu trabalhei me indicam para projetos. E isso é ótimo, porque o meu medo que eu tinha antes não tem mais base, de ficar sem projeto, de não aparecer nada."

Me deu muito medo porque você não sabe se vai aparecer cliente, você não sabe se é possível. Então, eu me preparei. Fiz meu pé de meia pra poder me manter por uns 6 meses, caso não surgisse nada e dei o meu passo em Outubro do ano passado. Estou no meu terceiro mês e até agora está tudo indo muito bem. Estou sentindo que foi algo que eu fiz corretamente na minha vida.

Obviamente, toda a experiência que tive é o que me deu super respaldo para estar aqui agora. Até hoje as pessoas com quem eu trabalhei nessas duas empresas me indicam para projetos. E isso é ótimo, porque o meu medo que eu tinha antes não tem mais base, de ficar sem projeto, de não aparecer nada.

Eu gosto de me chamar de independente. Não sei porquê, mas acho que isso rolou porque quando contei para algumas pessoas que queria virar freelancer, a maioria perguntava “Mas você vai criar um estúdio?” Não, gente. Eu não quero criar um estúdio. Deixa eu ver primeiro se me manterei só, para depois criar alguma coisa, se for o caso. Então fui me chamando de designer independente para criar esse posicionamento de que tudo por enquanto sou só eu mesmo, a lojinha é feita de uma pessoa só.


Nunca tinha pensado nessa diferenciação da nomenclatura. Foi super recente, não sabia que fazia tão pouco tempo que você havia se tornado independente.  Mas você começou a falar de algumas coisas que foram importantes para você – seu pé de meia, a rede que você criou que são as pessoas que te indicam. Além dessas coisas, o que foi importante e te ajudou a fazer essa transição de maneira mais tranquila?

Acho que acreditar mais no meu potencial, para falar a real. Eu quis enxergar se era possível fazer só o que eu gosto de fazer todos os dias. Isso foi algo que pesou muito durante a minha decisão. Eu queria fazer projetos que super me dão interesse, fazer coisas que eu acredito, trabalhar com outras pessoas com que eu goste de trabalhar, sem o compromisso de estar atrelado a uma estrutura.

Set the table de jantar em Nova Iorque e detalhe de talheres com mensagens personalizadas

Eu não sei se isso tem a ver com o meu signo – eu sou geminiano–, mas eu passei a não gostar da sensação de estar preso, de ter que atender a uma certa estrutura ou um conjunto de regras que para mim não faz o menor sentido. Reuniões intermináveis, reuniões com pautas que não fazem o menor sentido, decisões que poderiam ser bem mais rápidas e acabam demorando por uma série de questões.

"Eu queria fazer projetos que super me dão interesse, fazer coisas que eu acredito, trabalhar com outras pessoas com que eu goste de trabalhar, sem o compromisso de estar atrelado a uma estrutura."

Partindo um pouco para as empresas que você criou, o Creative Doc e o Aprender Design. O Creative Doc já fez sete anos, muito parabéns! E o Aprender Design é um bebê ainda. Eu queria saber como foi para você começar esses projetos, essas empresas, e o que te motivou e o que te motiva ainda a continuar desde 2013 até hoje.  

O Creative Doc nasceu da minha curiosidade de querer me aproximar de pessoas que eu admirava. Nessa época, acho que em 2013, surgiu uma revista chamada Offscreen e me interessei muito pelo conteúdo. Tinha uma abordagem sobre o lado humano dos profissionais do digital. As entrevistas era bem mais filosóficas, mais pessoais, não ficavam no tradicional falando sobre o processo criativo, dificuldades e tudo mais.

Na época, eu falei com dois designers, o JP Teixeira e um russo que foi trabalhar numa agência lá em Nova Iorque. Eles tinham um projeto super comentado nos grupos. Quando você vê uma pessoa na internet dando muita entrevista e tendo muito destaque em lugares grandes, fica aquela impressão de que você nunca terá chance. Mas fui sem expectativa alguma. Mandei, recebi resposta, foi ótimo.

"Hoje a ideia do Creative Doc é fomentar a indústria de design. Eu amadureci bastante, agora as perguntas são outras, a ideia do que eu acho que é a entrevista é outra completamente diferente."

A motivação primeiro foi de me aproximar, depois foi mudando pra trazer uma perspectiva diferente a respeito dessas pessoas. Hoje a ideia é fomentar a indústria de design. Eu amadureci bastante, agora as perguntas são outras, a ideia do que eu acho que é a entrevista é outra completamente diferente. Naquela época as conversas eram muito mais ingênuas porque era minha fase de vida. A motivação veio mudando com o tempo e talvez daqui dois anos mude de novo.

O Aprender Design nasceu de uma discussão quase interminável com o Gustavo sobre o que achávamos que poderia ser a educação de design no Brasil. Algo que fosse diferente de universidades. Eu fiz faculdade de Design, durou três anos, e lembro que queria sair no segundo ano. Não que eu desprezasse o assunto, mas eu já trabalhava naquilo todos os dias, já tinha a experiência todos os dias. Eu via que o que estava sendo ensinado valia muito para quem não tinha essa experiência de fato.

Pra mim nunca fez muito sentido ficar sentado três, quatro horas dentro de uma sala ouvindo sobre coisas elementares, básicas, quando, na minha opinião, o que faz diferença é você só fazer. Eu nunca curti esse modelo e o Gustavo também não. Então a gente quis testar essa abordagem de cursos rápidos, mas que fossem profundos.

"Pra mim nunca fez muito sentido ficar sentado três, quatro horas dentro de uma sala ouvindo sobre coisas elementares, básicas, quando, na minha opinião, o que faz diferença é você só fazer."

Eu fiz o meu primeiro teste com o Código Design. Lancei em 2019 e tive umas seis ou sete turmas desse curso. À medida que fui fazendo, fui entendendo o que a gente precisava para lançar um projeto um pouco maior. Entendi todas as questões como gerenciar turma, oferecer o conteúdo, gerenciar alunos, fazer todo o sistema de pagamentos e tudo mais.

Foi um laboratório para mim. Quando a gente fez o handshake em Novembro de 2019, decidimos fazer o Aprender Design. Em Janeiro do ano passado eu anunciei que o projeto iria mudar de nome. E em Junho a gente lançou o projeto completo com quatro cursos. Foi insano. Aprendemos muitas coisas nesses seis meses e esse ano temos a expectativa de trabalhar melhor como a marca se posiciona. Queremos nos posicionar, talvez, como uma instituição de ensino de Design e Tecnologia no país. Não sabemos ainda onde que isso vai bater, para falar a real, mas a motivação é essa desde o início: criar algo que gera um impacto.

A gente não quer criar nada que seja corriqueiro, que tenha o crescimento exacerbado igual a uma startup. Queremos criar algo que daqui a cinco ou seis anos nos deixe orgulhosos, que a gente olhe para trás e fale “A gente fez a diferença dentro do mercado e da indústria”.

"Queremos posicionar o Aprender Design como uma instituição de ensino de Design e Tecnologia no país. Não sabemos ainda onde isso vai bater mas a motivação é essa desde o início: criar algo que gera um impacto."

Demais! Sou muito fã dos dois. Inclusive, estou muito ansiosa com a minha entrevista que vai sair muito em breve. Já dando spoiler. Queria perguntar também, como você acha que esses empreendimentos que você tem em paralelo com o seu trabalho agregam ao o que você faz na sua profissão?

Olha, os dois projetos são basicamente o lugar onde eu gostaria de me arriscar, profissionalmente falando. O Creative Doc tem mudado bastante de estrutura, tecnologia, código e layout. Só que todas essas mudanças eram voltadas para algo que eu gostaria de aprender ou me arriscar. Me lembro que em 2018 foi quando fiz a primeira mudança radical no projeto porque eu queria aprender uma linguagem nova que era o VJS. Queria aprender com base real, não com um projeto fantasma. Então, o meu próprio projeto foi uma maneira de me arriscar dentro dessa mudança e ter esses aprendizados de tecnologia.

As mudanças de design que eu fiz no Creative Doc também foram muitos voltados a “E se a leitura de uma entrevista fosse de determinada maneira?”. Então eu fazia o layout, programava, mandava para frente e se daqui a cinco, seis meses eu enjoasse, mudava com certeza. Mudava por mudar. É o lugar onde eu posso testar, onde quem manda sou eu, onde ninguém vai dizer se está certo ou errado, onde eu tenho a licença poética de fazer meus testes sem ter a limitação do que pode ou não. Quem põe o limite sou eu.

Participar de um projeto onde você não toca nisso tudo, é uma coisa. Agora, ir de ponta a ponta, fazer o design, o planejamento, os testes, a programação, o QA e botar em produção, é algo que eu nunca tinha feito. Isso foi uma forma de criar um case para mim mesmo. Hoje eu sei que consigo fazer porque tenho algo funcionando há mais de sete meses no ar, onde as pessoas fazem aplicações, inscrições, pagamentos, estorno e tudo mais dentro de algo que eu criei. Eu uso esses projetos para elevar um pouco o meu próprio nível dentro do que eu considero alto.

"É o lugar onde eu posso testar, onde quem manda sou eu, onde ninguém vai dizer se está certo ou errado, onde eu tenho a licença poética de fazer meus testes sem ter a limitação do que pode ou não. Quem põe o limite sou eu."

Sim, acaba virando uma escola. Você desenvolve coisas que não tem oportunidade em outros lugares e aproveita para testar, experimentar e se desenvolver de outros jeitos. E bom, chegando ao final, quero fazer uma última pergunta. O que você diria de conselho para uma pessoa que tem mais ou menos o mesmo perfil que você e está pensando em se tornar freela e se jogar nesse oceano aberto?

Um: tenha dinheiro guardado. Isso é importante. E não estou falando de pouco dinheiro, estou falando de considerável. De ter uma segurança de pelo menos quatro, cinco, seis meses pra te garantir se nada acontecer.

Dois: tenha um portfólio que te projete para o que você quer fazer e não para o que você fez. A minha visão sobre portfólios é essa. Eu vejo a maioria dos portfólios focando em “o que eu fiz”, mas quando você vai se tornar freelancer, você tem que ter um conjunto de trabalhos que mostre o que você pode fazer e o que você quer continuar fazendo. Quando eu lancei o portfólio no momento em que me tornei freelancer, queria que as pessoas soubessem que eu faço tanto design quanto a programação. E o meu próprio site é, por mais simples que seja, a prova disso.

"Tenha um portfólio que te projete para o que você quer fazer e não para o que você fez. A minha visão sobre portfólios é essa."

Terceira coisa é ter muita organização. Eu não sei se isso é só para mim mas nesses últimos três, quatro meses eu trabalhei com um cliente que falava “Eu nunca trabalhei com um designer tão organizado quanto você”. Eu costumo anotar toda e qualquer reunião que participo, mando e-mail de resumo, envio layout para aprovação de uma maneira super organizada, detalhada, com tudo descrito no mínimo detalhe. Trabalhando dentro de estruturas maiores sempre tem alguém que vai fazer isso por você. Às vezes mesmo sendo freelancer você pega um projeto onde tem alguém que cuida dessa parte. Mas geralmente não é o caso. Então tenha organização, isso ajuda muito.

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