entrevista

Isabella Nardini

Designer de experiência
21 de Janeiro de 2021

Denise: Oi, Isa! Conta um pouco do seu trabalho, das coisas que você já fez e como se tornou Designer de Experiência.

Isabella: Bom, muita gente chama Designer de Experiência de jeitos diferentes e entende coisas diferentes por Design de Experiência – até porque existe o UX que é muito famoso. Mas quando eu falo do Design de Experiência que eu trabalho, é muito mais o Design da vida real. Eu crio contextos através de rituais que evocam sensações, e tudo isso é a partir de uma intenção muito clara. E, pra mim, intenção é ter a visão de uma necessidade, de um desejo ou de um resultado que você quer alcançar. Isso envolve muito coração e uma grande percepção humana.

Falando da minha trajetória, eu nunca pensei quando era mais nova “Putz, vou fazer faculdade de Design de Experiência” porque nem existia isso na época. Mas é quase como se eu sempre soubesse que era isso eu gostava de fazer. Escolhi cursar Design porque eu gostava de criar coisas. Me formei em Design Gráfico e de Produto que, como boa geminiana, eu não poderia escolher um só, e me dei conta de que eu me interessava muito mais pela relação que as pessoas estabeleciam com as coisas que eu estava criando do que pelos objetos em si. Foi olhando para isso que entendi que precisava trabalhar com um objetos que carregasse um significado muito forte, uma simbologia. E então virei Designer de Joias, o que parece uma trajetória muito maluca, mas foi o jeito que fui me encontrando e hoje vejo que fez muito sentido.

Objeto criado para o Grupo Boticário. "O melhor jeito de aprender algo é fazendo."
"Me dei conta de que eu me interessava muito mais pela relação que as pessoas estabeleciam com as coisas que eu estava criando do que pelos objetos em si."

Comecei a criar joias que tinham uma história por trás, que carregavam um significado muito potente. Eu não só criava as joias, mas tinha uma preocupação muito grande com a embalagem que ela vinha, com a apresentação. Participei de muitas feiras de exposição e fazia instalações com amigos artistas para as pessoas experimentarem  e testarem as peças de uma maneira diferente – elas não podiam simplesmente ficar numa vitrine.

Eu me preocupava muito em como as pessoas iriam perceber esse objeto, como elas se relacionariam com isso. Então eu comecei a criar espaços, instalações, cenografias. O trabalho que eu estava experimentando me levou para Itália, onde eu tive a chance de trabalhar em joalherias super tradicionais que foi quando eu, de fato, me dei conta de que não era sobre joia mesmo. Que era sobre criar esses espaços onde emergia alguma coisa nas pessoas e aí elas sentiam algo muito específico, destravando algo nelas.

Foi quando eu fui convidada para trabalhar na Mesa, que é uma empresa que resolve problemas complexos em cinco dias. Eu cheguei lá para ser a pessoa que olha para a experiência. Meu desafio era garantir que um grupo de pessoas trabalhasse no seu potencial máximo em cinco dias para resolver um problema complexo. Fiquei cinco anos na Mesa como Head Global de Experiência. Era sobre criar experiências de trabalho para destravar o potencial humano. Onde essas pessoas precisam estar? Qual é o material de trabalho que elas precisam usar? Como faço pra todo mundo estar presente e focado?

Set the table criado para uma Mesa realizada no Masp (Museu de Arte de São Paulo)
"Minha passagem pela Mesa foi muito importante. Foi quando entendi que eu era mesmo uma Designer de Experiência, que isso era um trabalho, e que poderia se desdobrar em outras coisas."

Todo esse tempo na Mesa foi uma grande escola – foi muito importante passar por lá para minha carreira. Foi quando entendi que eu era mesmo uma Designer de Experiência, que isso era um trabalho, e que poderia se desdobrar em outras coisas – e também quando realizei que poderia criar experiências para além do mundo do trabalho.

Então, em Março de 2020, eu virei freela. Depois de uma semana que estava sem meu emprego fixo, com bastante espaço mental livre e confinada por conta da pandemia, percebi que precisava e queria criar coisas novas. E, com isso, criei o Love Is In The Cloud junto com a Roberta Tannus. É um projeto de experiências guiadas para fazer com que amigos de amigos se encontrem virtualmente para ter encontros de cinco minutos.

Registro de um episódio do Love Is In The Cloud

Então, eu saio de criar experiências de trabalho para criar experiências de amor, paquera, diversão e azaração. Tudo começou com uma brincadeira e acabou virando um lance porque fez sentido para mim, faz sentido para nós. Muitas marcas e empresas vieram me procurar para criar grupos e sessões guiadas.

Nesse meio tempo muita coisa apareceu também. Existe um festival Romeno chamado Unfinished Festival que olha muito para todos os tipos de criações, artes e expressões do mundo inteiro. Ele sempre aconteceu presencial e o grande potencial dele era a comunidade. As pessoas iam no festival pela sensação de comunidade e, claro, pelo conteúdo que ele fornecia. Então, eles me chamaram e meu trabalho foi criar uma forma de trazer esse senso de comunidade para o mundo virtual.

Plataforma digital criada para o Unfinished Festival

Então, só resumindo: em um tweet, o que é Design de Experiência?

Eu gosto de falar que Designers de Experiências são criadores de contextos e geradores de sensações, mas essa é a forma como eu me relaciono. A verdade é que um Designer de Experiência é alguém capaz de criar contextos e gerar sensações onde quer que for, na plataforma que for, na forma que for, na dimensão que for.

"Designers de Experiências são criadores de contextos e geradores de sensações."

Que habilidades você acha que um Designer de Experiência tem que ter?

Quando estamos falando de criar experiências para seres humanos, naturalmente ter um apresso por pessoas facilita muito. Não existe fórmula. Uma coisa que gera uma sensação numa pessoa, nem sempre gerará na outra. Então precisa ser muito atento às outras pessoas. Tem que ter abertura para um entendimento e uma capacidade muito grande de enxergar o outro. Ou seja, sensibilidade.

Tem uma outra parte que é o olhar estético. Você trabalha com todos os elementos, não só os sentidos, mas os elementos que são gasolina para os sentidos. Então, tem que ter essa parte de apresso estético também. E acho que tem que estar muito aberto a aprender e a experimentar. Porque é muito empírico, é testar, é se abrir, perceber e aprender.


E digamos que eu estou aqui ouvindo você falar e pensei “Gente, isso é incrível, quero fazer isso.” Por onde eu começo?

Eu diria duas coisas. A primeira é: vai falar com quem faz. E a segunda é: vai descobrir você mesmo e entender um pouco mais. Mas mais do que isso, experimente. E experimenta na sua vida pessoal mesmo. Acho que não precisa de um desafio externo – inclusive é muito mais legal se você tem um desafio interno. Por exemplo, eu adoraria acordar todo dia e meditar mas encontro vários desafios nisso. Como seria a melhor experiência de meditação que eu poderia criar para mim mesma e garantir que eu consiga me comprometer com isso? Isso é para você criar familiaridade com esse universo de criar experiências. Mas, fora isso, é ir atrás das pessoas que fazem. Acho que tem muita gente que cria experiência e nem se denomina Designer de Experiências.

Set the table de jantar em Nova Iorque e detalhe de talheres com mensagens personalizadas

Mudando um pouco de assunto. Como que foi para você sair da Mesa, de um lugar que você tinha um trabalho fixo, grana entrando todos os meses, e virar autônoma?

Foi muito desafiador. Foi uma decisão super difícil de tomar por muitas razões. Num emprego fixo, sua vida é uma máquina e tudo ali tá funcionando bem. Aí você tira uma peça e precisa inventar outras para fazer ela funcionar de um jeito diferente. Foi uma decisão que demorei muito tempo para tomar. Até por não ser necessariamente um trabalho comum. Quando você busca por vagas nessa área, não encontra com facilidade. Ainda mais no momento em que aconteceu para mim – eu saí bem quando a pandemia estourou.

"Num emprego fixo, sua vida é uma máquina e tudo ali tá funcionando bem. Aí você tira uma peça e precisa inventar outras para fazer ela funcionar de um jeito diferente."

Mas, por outro lado, eu estava em um lugar muito privilegiado. Eu tenho uma rede muito grande de pessoas. Quando decidi sair, uma das primeiras coisas que fiz foi entender o que eu queria fazer e mandar mensagem para todas as pessoas que eu acreditava que pudessem criar alguma coisa junto comigo, que pudessem fazer uso do meu trabalho ou aproveitar do meu talento. Escrevi para elas, troquei uma ideia, mostrei que eu estava disponível. E isso ajudou muito.

Também mantive uma porta escancarada no lugar que eu estava antes e tenho feito alguns freelas com eles. Eu me adonei desta rede. E segui muito humilde, coração muito aberto.


Uma das pessoas que a Isa conversou nessa época fui eu, e a gente virou melhores amigas. Depois de um tempo, fui eu quem criou a identidade visual do Love Is In The Cloud, e hoje a Isa está aqui. Ou seja, essa troca é muito rica mesmo. Só de fazer as pessoas saberem da sua existência e do momento em que você está, já abre muitas portas. Mas, seguindo, quais são as maiores dificuldades e as coisas que você está aprendendo na prática nesse novo estilo de vida?

Eu estou aprendendo um monte de coisa, mas chega o final do ano e nossa... dá uma canseira aprender, né, gente? Eu ainda estou entendendo os melhores jeitos de me organizar. Começo muitos projetos ao mesmo tempo, tem projetos que sou só eu, tem projetos que tem que formar uma equipe. Chega um momento em que você precisa dizer “não” porque os projetos começam a coincidir. E isso para mim tem sido um grande aprendizado.

Você precisa acreditar que virá depois, porque não dá para se enforcar achando que esse cliente nunca mais vai voltar porque você disse “não”. Então, eu acho que a organização e o cuidado com o meu tempo tem sido muito importante. Agora eu sou 100% dona do meu tempo, não tenho ninguém para culpar. Eu vejo um valor muito grande nessa parte de aprendizado pra ser o melhor que a gente pode ser para a nós mesmos.

"Você precisa acreditar que virá depois, porque não dá para se enforcar achando que esse cliente nunca mais vai voltar porque você disse 'não'."
Vista aérea do set the table tradicional de uma Mesa

Como você monta um orçamento?

Tenho aprendido muito e acho que muitas das coisas que faço fazem parte da minha jornada de aprendizado dentro da minha realidade. Eu comecei pensando a partir de um projeto, de um escopo específico. Por exemplo, o desenho da experiência, a curadoria dentro desta experiência, a gestão... Cada coisa que eu tenho que fazer tem um valor. Estimo quanto tempo vai durar cada uma e cobro por hora. Essa seria uma base pensando nos projetos grandes que eu preciso trazer mais pessoas. Eu tenho a sensação de que ainda não é o melhor jeito, até porque tem essa questão de garantir que as horas que você está cobrando são as horas que de fato você está trabalhando.


Eu acho que isso é uma questão que todo profissional tem, principalmente no começo, quando você ainda está se estruturando, entendendo como funciona. Por hora é uma conta mais fácil de fazer. Mas depois que você começa a cobrar por hora e entende quantas horas você realmente leva, talvez aquilo não faça tanto sentido. Eu sempre digo que a questão das horas é muito mais para você começar a entender e decidir se isso faz sentido ou não.

Exatamente, é isso. E que bom que você existe, Denise. 😎✌️


E aí, como somos muito curiosos e gostamos de falar de números, gostamos de falar de dinheiro. Queria saber se você pode dar um spoiler de quanto mais ou menos uma pessoa consegue ganhar dentro dessa área. Não precisa dar exemplos reais da sua vida. Eu entendo que hoje você já tem um tempo de experiência, mas pensando na sua trajetória inteira e quanto outras pessoas ganham, dê alguns exemplos para a gente de quanto é possível ganhar com essa profissão.

Essa pergunta é a que todo mundo quer a resposta e acho que talvez a mais difícil de responder porque tem muitos lugares diferentes, estruturas diferentes, níveis de trabalho diferentes. Ainda mais numa profissão como essa que muitas vezes leva nomes diferentes e que carrega uma certa subjetividade. Agora, pensando tanto em opções de trabalhos fixos ou sendo freela essa janela pode ser bem grande, você pode esperar ganhar de R$5.000 a R$55.000 num mês de trabalho – pode variar bastante.


Isso é uma questão de qualquer profissão, né? Sempre vai depender muito do tamanho da estrutura que está te contratando, da sua experiência, do escopo do projeto. Sempre vai ter essa variação e você sempre vai encontrar do menos até o mais. Bom, eu queria fazer uma última pergunta. Se você fosse dar um conselho para alguém que está pensando em seguir nessa área, qual conselho você daria?

Eu acho que o conselho que eu daria está um pouco parecido com o que eu falei antes de testar na sua própria vida, criar as experiências a partir dessas intenções que você tem de desejos ou de necessidades próprias e reais. Experimenta com você mesmo, com os seus amigos. Fala com as pessoas, fala comigo, adoro conversar, me escreve. Aproveito para me colocar disponível. Acima de tudo, são os clichês – não tenha medo de tentar, de experimentar.


São os clichês que fazem sentido, né?

É, e brincar. Acho que quando a gente está falando de gente, ainda mais se tem um olhar para criar experiências que sejam transformadoras – tem essa parte da brincadeira também, abertura para a brincadeira ajuda na parte da investigação.


Sim. E só uma curiosidade, eu também trabalhei como Designer de Experiência na Mesa um pouco antes da Isa entrar lá. Da minha vivência, eu diria que tudo na vida é Design de Experiência. Um jantar é um Design de Experiência, um café que você faz para alguém é um Design de Experiência. Então é muito mais desmitificar essa palavra que parece um negócio muito absurdo – porque a verdade é que tudo na vida tem um pequeno Design de Experiência. Basicamente, é a forma como você consome alguma coisa, como você vive aquele momento. Esse mundo parece muito novo, mas na verdade ele sempre existiu – é que colocaram um nome muito legal para ele.

Exatamente. Eu poderia te servir um café normal ou poderia preparar a mesa para você, pensar qual é o lugar da casa faz mais sentido para você tomar esse café. Qual é a xícara ideal pra tomar esse café? Faz sentido tomar o café num copo gigante? E aí é sobre essa intencionalidade constante e infinita. Depois tem a percepção. A partir do momento que você serve a pessoa, que ela está ali com você, você também vai entendendo e adaptando. De repente sua mão é muito pequena e a caneca que lhe servi não fica tão bem. Você tem que ter essa abertura para perceber e adaptar as coisas para que elas sejam o melhor que elas possam ser a partir do que você intenciona.

"É muito mais desmitificar essa palavra que parece um negócio muito absurdo – porque a verdade é que tudo na vida tem um pequeno Design de Experiência."
Espaço de trabalho de uma Mesa e o Leave Me Alone ao fundo, onde os participantes deixam os celulares guardados

Conheça mais sobre o trabalho da Isa:
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