entrevista

Mah Ferraz

Editora de vídeo
25 de Fevereiro de 2021

Denise: Mah, seja bem-vinda! Conta como foi sua trajetória acadêmica e o começo da sua vida profissional.

Mah: Eu nasci em São Paulo, mas cresci no Rio. Estudei na Escola Parque e fui para PUC-Rio. Fiquei lá por seis meses cursando Comunicação e comecei a entender que não era bem o que queria. O cinema de lá é maravilhoso, amo o cinema brasileiro, mas não era aquilo. Então eu saí de lá e vim morar em Nova Iorque por um ano para um curso de Filmmaking na New York Film Academy. Era o jeito mais fácil de vir, pois era muito mais difícil entrar numa faculdade.

Vim para cá e conheci a The New School, que é uma faculdade muito maneira. Eu tinha amigos lá e me interessei bastante. Passei meus créditos para lá, para terminar o college, e foi onde fiz faculdade de verdade. Então meu caminho deu uma mudada.

Durante todo esse tempo eu fiz cursos na Columbia University, na SVA, e um curso online na University of Copenhagen. Eu estava sempre fazendo curso. Não sabia quanto tempo ficaria nos Estados Unidos, então quis aprender tudo relacionado a filme ou TV writing ou script analysis, tudo relacionado ao meu ramo.


Você começou nesse mundo do filme, mas quando entendeu que queria trabalhar com edição de vídeo?

Durante esse período eu tive cursos de edição aqui e ali. Nesses cursos de Filmmaking sempre tem um pouco de edição. Sempre gostei de escrever e editar, mas escrever por aqui era mais difícil por conta do inglês.

Quando criança, fazia download de série e de filme e editava uns vídeos bobos. Eu já tinha esse contato com edição. A mãe de uma amiga era editora, então eu já sabia que isso existia. Tem gente que não sabe até hoje o que é edição, o que um editor faz. Eu já sabia sobre a profissão mas nunca pensei totalmente que era com isso que iria trabalhar.

Eu soube logo depois da faculdade, quando comecei a ser assistente de edição na Uppercut que é uma casa de pós-produção daqui. Lá eu vi a indústria do começo ao fim. Tive mentores que são editores profissionais e conheci a indústria da publicidade. Lá que entendi que era isso que eu queria.

Eles estavam começando a empresa ainda, então eu tinha uma abertura maior com o dono, que é o editor. Ele me perguntou qual era o ramo que eu queria seguir e falei edição. Ele esperava que eu fosse responder produção – tem muito mais homens editores e mais mulheres produtoras. Ele ficou surpreso, mas de uma forma positiva. Então foi ótimo. Ele me deu oportunidade de estar ali e aprender, ver como tudo rola. Foi mega importante e foi ali que começou minha carreira.

E você teve alguma experiência no Brasil ou já começou a trabalhar direto aí na América do Norte?

Eu comecei aqui. Agora que já estou estabelecida aqui, faço muito projeto no Brasil porque adoro. Tem tanto talento aí, tem muito diretor irado, tem muita gente fazendo coisas lindas. Eu faço porque amo, porque quero trabalhar com esses talentos e fazer parte desses projetos. Então eu faço sem pensar em dinheiro, porque hoje em dia a diferença do real e do dólar é ridícula, então para mim é muito mais uma questão pessoal e criativa.


Como foi para você no começo quando começou a trabalhar com isso? O que você acha que mais te ajudou a desenvolver suas habilidades?

Foi muito importante estar nessa casa de pós-produção porque foi onde aprendi todos os in and outs da indústria e do processo. Desde que cheguei aqui, me coloco perto de pessoas que admiro, em todos os ramos. Naturalmente eu estava rodeada de pessoas que foram muito importantes para me dar oportunidades, para me conectar em algum lugar. Hoje estou no nicho certo e rolou assim porque eu me botei nessas situações, me aproximei de pessoas e aprendi com elas. Acho que isso é muito importante. Se tem alguém que você admira, com quem gostaria de aprender, você tem que se colocar nesses lugares. Isso gera frutos no final.

"Hoje estou no nicho certo e rolou assim porque eu me botei nessas situações, me aproximei de pessoas e aprendi com elas. Acho que isso é muito importante. Se tem alguém que você admira, com quem gostaria de aprender, você tem que se colocar nesses lugares. Isso gera frutos no final."

Você sente uma diferença entre o mercado brasileiro e o mercado aí de fora?

Então, já que eu nunca trabalhei no Brasil, eu não sei muito do mercado brasileiro, mas agora como eu falei, estou mais ligada e tenho visto quanta coisa maravilhosa está rolando aí. Eu sei do mercado brasileiro porque aqui em todas as agências tem muitos brasileiros. É ótimo ver como brasileiro tem bom olho pra publicidade e cinema.

Mas aqui, o mercado só tem melhorado. Tem essa tendência no mundo inteiro, eu acho, as pessoas estão mais criativas, mais abertas, menos old school agencies vibes. Antes não entendiam que tem que seguir o que está acontecendo no mundo ao redor, que tem de ter uma visão mais fresca das coisas. Hoje em dia é muito mais aberto para isso. Eu não sei como está o Brasil, mas eu acho que é bem parecido, incluindo diversidade, os temas, criativos em geral, as coisas estão muito mais interessantes do que eram.  

Sim, sem dúvida. Aqui no Brasil acho que é um reflexo do que acontece aí. Então demora um porquinho mais, mas as coisas chegam até aqui também. E você é representada por uma agência, certo? Como foi para você esse processo de quando a agência fez essa proposta? E você acha que vale a pena? Quais são os prós e contras?

Eu comecei nessa casa de pós-produção, e como eu falei, foi muito importante para mim, para aprender e tal. Mas foi também muito importante ser freelancer, sozinha e fazer o que eu quisesse. Eu pegava o projeto e sentia muita liberdade criativa. Foi bom ter esse controle da minha carreira, esse controle da minha visão, da minha arte, poder explorar umas coisas que eu me sentiria menos confortável em uma casa de produção, porque tem muito mais coisas envolvidas.

Então foi muito importante ter criado um reel que eu tivesse orgulho, que mostrasse vários lados diferentes. Podia explorar de uma maneira muito gratificante. Eu ganhei aquele prêmio Young Guns com o Resistance, é um projeto que ainda tenho no meu reel. Foi um dos primeiros que fiz como freelancer. 90% dos freelas eram com a mesma pessoa, com esse meu amigo diretor. Me dava uns projetos passion projects que traziam client work. Ele confiava em mim e então eu podia mostrar os atributos do jeito que eu quisesse.

"Foi muito importante ser freelancer, sozinha e fazer o que eu quisesse. Eu pegava o projeto e sentia muita liberdade criativa. Foi bom ter esse controle da minha carreira, esse controle da minha visão, da minha arte."

Então eu fiz um reel e ganhei um prêmio, o que me mostrou que estou na visão certa. Com todo esse reconhecimento, tive muita visibilidade de várias post-houses e tive várias conversas. Entendi que estava na hora de expandir. Já mostrei meu talento, já mostrei minha visão e a agência pode me pôr em lugares que eu não chego naturalmente. Eu já tenho visibilidade, mas eles têm 10x mais. Eles têm trinta anos no negócio, com escritórios em quatro lugares da América, um na Inglaterra, milhões de representantes.

Eu acabei de assinar com eles. Antes eu tinha dez pessoas por dia me mandando e-mail, agora tenho vinte. Com certeza me coloca em outros lugares. É ótimo para o futuro e foi o momento certo. Mas eu acho importante também ter um momento para descobrir quem você é como artista, como explorar e criar confiança consigo mesmo. E para mim foi sozinha, foi mais num momento freelancer.

Uma curiosidade que eu sempre quis saber. Como funciona esse processo, o que eles cuidam e o que eles não cuidam? Como eles te ajudam exatamente?

Essa post-house é tradicional, está no negócio há trinta anos e é muito tradicional comercialmente. Antes disso eu estava em um collective de freelancers e eles me davam um apoio mais casual. Eu dava para eles uma pequena porcentagem de agente e eles me davam um suporte de produção, como uma produtora no dia a dia, negociação de preço, agenda. Ela lidava com todo esse behind the scenes enquanto eu só focava no meu trabalho.

Nós conversávamos sobre qual trabalho fazia sentido, qual que dava para pegar qual que não dava. Eles me davam também assistente de edição, e qualquer tipo de suporte.

Já com essa post-house de agora, é diferente. Eles colocam mais a mão na massa na minha carreira. Eles têm representantes em todos os lugares da América. Tem muito mais acesso aos projetos que estão rolando na indústria, então fazem não só o que eu já tinha – que é todo esse suporte do artista, do talento –, mas também me vendem. Me colocam nos lugares certos, me conectam com as pessoas certas e me ajudam quando eu quero mudar de tipo de projeto ou trabalhar com alguma produtora. Eles têm conexões e fazem isso acontecer. Então é muito mais curado e tem mais alcance também.  


Muito legal! É o sonho de qualquer profissional criativo basicamente. Ter pessoas cuidando desta parte de conseguir clientes, conseguir projetos legais, te inserir em trabalhos massas. Mas fala um pouco das suas referências. Não precisa nem ser no mundo do audiovisual, mas o que você gosta de consumir? Onde você busca inspiração?

Eu tenho referência em tudo, tudo me inspira. Eu sou muito visual. Gosto de todo tipo de design, design gráfico, design de interiores, arquitetura, animação. Acho que essa parte visual é muito importante para mim e me inspira em vários momentos. Eu não tenho como dizer exatamente o que eu uso na minha edição. Curto mudar minha casa, sou muito específica no meu gosto e acho que isso com certeza me inspira. Eu trabalhei no Sagmeister&Walsh, uma empresa muito irada de design e tenho vários amigos lá, como o Felipe Rocha. Acho que sou muito ligada a essa parte de design, é uma inspiração fora do audiovisual.

É sempre bom buscar referências em lugares não óbvios, sair um pouco do que fazemos todos os dias. E bom, estamos chegando ao final e queria fazer uma última pergunta. Na verdade, farei duas. A primeira é, qual conselho você daria para uma pessoa que está pensando em seguir a carreira de edição?

Eu recebo ligações e e-mails direto de pessoas que são assistentes e querem saber como criar um reel, ou gente que gosta de editar, ou que acabou de sair da faculdade. Eu acho que eles estão fazendo o que tem que ser feito – conexões. Estão entrando em contato com pessoas que admiram. Cada história é diferente, cada rumo é diferente, não dá para falar para fazer isso ou aquilo. Ouça, entenda. Eu sempre trabalhei muito, trabalho muito até hoje porque eu amo o que faço. Quando era assistente, ficava no trabalho até tarde e fazia mais trabalho, porque eu estava mais animada com isso que com a rotina do dia a dia.

Então faça conexões com pessoas que você admira, escute eles, se bote à disposição para editar, para fazer vários projetos. Mesmo que não vá ser o maior projeto da sua vida, você estará aprendendo. A cada projeto você está indo mais perto do que você quer fazer. E faça projetos pessoais que você quer fazer, que te motiva. E, claro, se você tiver a oportunidade, faça client work, porque é importante colaborar, saber como lidar com time, saber ouvir, e lidar com tudo isso.

E, geralmente, um projeto pessoal acaba te levando pra um client work. Uma pessoa te recomenda e é isso que vai rolando. Continue desenvolvendo sua técnica, desenvolvendo suas relações. É isso, tem que ter fome.

"Faça conexões com pessoas que você admira, escute eles, se bote à disposição para fazer vários projetos. Mesmo que não vá ser o maior projeto da sua vida, você estará aprendendo. A cada projeto você está indo mais perto do que você quer fazer."

E última pergunta, para você que já trabalha em Nova Iorque há muito tempo. O sonho de todo brasileiro é trabalhar fora e receber em dólar, então, o que você diria que o mercado aí mais valoriza? Algo que veem e que gostam, que chama atenção em um profissional?

Eu acho que eu sou valorizada por tudo que eu sou, entende? Não é só pelo meu talento como editora. Eu mudo minha edição toda hora, não é preto no branco. É minha visão. É quem eu sou do começo ao fim. Quando eu morava aí, só escutava música americana e aqui só ouço música brasileira. Então acho que o ponto para mim sempre foi abraçar esse lado, abraçar que você é brasileiro, abraçar sua visão que é diferente daqui. Eles valorizam isso aqui.

É o que te faz quem você é. Eu estou aqui não porque eu encaixo no mundo americano, é porque eu trouxe uma visão, trouxe o jeito que fui criada, minha cultura e tudo ajuda a ter esse valor. Eu sou gay, sou latina, sei português... Eu trabalho agora com o Brasil e com países que falam espanhol na América Latina, Espanha, América Central. Isso me ajudou muito a expandir meu mercado.

"Tudo sobre mim me ajuda e ajuda qualquer ser humano a ser um artista melhor e ter sua visão única. Então é isso, ter orgulho de quem você é, trazer o que você tem, e não querer se moldar a qualquer indústria. Vem com quem você é que você será valorizado."

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