Monique Lemos: Oi, gente. É uma honra ocupar esse espaço. A minha trajetória profissional é uma grande mistura, mas eu comecei estudando cinema. Essa referência vem na minha vida desde pequena. Meus pais tiveram uma locadora. Minha mãe é filósofa e sempre criticávamos coisas e em algum momento fez sentido para mim.
Fiz curso técnico de Direção Cinematográfica na Academia Internacional de Cinema. Depois eu tentei estudar administração achando que iria salvar o cinema, mas acabei com muitas pesquisas, muitas dúvidas e fui para sociologia política para ter um embasamento maior. E saindo do cinema comecei a trabalhar com produção. Trabalhei muito tempo com produção de cinema, publicidade, ativação de marca.
Quando eu comecei a estudar sociologia política, o curso também era muito estrutural na antropologia. Eu comecei a querer misturar as coisas e o jeito de fazer produção começou a ficar meio confuso para mim. Eu achava muito reducionista, então comecei a aplicar antropologia com produção e fui mudando para esse lugar de pesquisa, de transformar a produção até chegar aqui nesse mundo maluco que estou hoje.
No começo era uma grande crise, sempre foi uma crise. Agora estou muito mais tranquila com isso. Quando estudava administração já era toda “eu”, toda “estranha” no meio da administração. E era muito estranho ir para entrevista de emprego e dizer que estava fazendo administração para trabalhar com cinema — achavam que eu tinha mudado de ideia no meio do caminho, mas eu dizia: "Não, eu estou somando coisas, estou vendendo uma potencialidade, todo um background". Então, para mim sempre foi uma crise. Além disso tudo, fui maquiadora por um tempo, muita coisa aconteceu. Sou maquiadora, não deixei de ser, mas não cabe mais no meu tempo apesar de ser uma profissão, uma paixão.
Hoje em dia eu tenho mais tranquilidade de somar tudo, porque elas sozinhas se somam. Eu sou uma antropóloga muito mais legal e competente, porque consigo pensar a produção, porque consigo pensar produtos finais, porque consigo pensar comportamento não só de consumidores, mas de públicos em eventos, consigo pensar em estratégias. Eu sei fazer tudo se conectar. Hoje, para mim, é um super potencial, e se as pessoas não entenderem, paciência. Continuo fazendo.
Eu acho muito maravilhoso quem tem uma visão específica sobre seguir em um norte só. Como o próprio trabalho se organiza vai dizer muito sobre o que você consegue ser. Eu tenho um olhar muito positivo sobre ser generalista, porque geralmente são pessoas que têm uma curiosidade muito absoluta sobre perseguir vários caminhos. E isso não te faz saber menos sobre alguma coisa. Isso é um olhar muito reducionista sobre o que é ser generalista.
Na verdade, você consegue transitar em diversos territórios, consegue olhar sob diversas perspectiva para um problema, para um projeto ou qualquer coisa que vá criar. Eu acredito muito no termo nexialista, que é sobre ter muita propriedade sobre vários tema, de fato ser engajado e proprietário de todas essas coisas que você sabe. Conhecimento é o que produz sentido, é o que você consegue entregar para o mundo. Se você sente, é porque aquilo está no seu corpo. Como é que eu vou dizer, como se valesse menos? É meu, eu consigo te entregar isso, é sobre mim, está absolutamente no meu corpo. Então, tenho um olhar muito positivo.
Eu acho que o próprio preconceito sobre o termo generalista tem uma intencionalidade no mercado de trabalho de achar ruim quem não se encaixa em uma vaga específica. E aí é um problema que o RH deveria resolver e não trazer para nós. A diferença é justamente nessa concepção pejorativa sobre o termo – se você não sabe muito uma coisa, não sabe quase nada, então você não serve para isso. Quando na verdade, o trânsito entre assuntos e saberes é o que te potencializa.
Nexialista é uma palavra que dá conta um pouco melhor disso, de dizer que você é aprofundado em mais de uma coisa, que você tem essa propriedade que o termo generalista deixa frouxo. É dizer que sim, você é foda em mais de uma coisa. E aí ele positiva esse lugar no mundo.
Sim, tem uma galera que se assusta um pouco. Até para mim é meio maluco. Eu transito entre academia e publicidade, digamos assim. Na academia, eu não sou uma grande acadêmica. Na publicidade, parece que não tenho um lugar estabelecido. Mas na verdade eu acho maravilhoso, estou transitando em todos eles. Tem uma dificuldade, a galera não sabe brifar direito, por exemplo. Sou chamada para fazer pesquisa, só pesquisa e não pesquisa junto com estratégia, ou só para estratégia. E tudo bem também separar, porque eu sou pesquisadora e estrategista, mas eu gosto muito de juntar as duas coisas.
Para mim é muito difícil, e isso vem de quem eu sou e do lugar onde estou agora. Muito difícil fazer uma pesquisa e não entregar insights ou estratégias, ou estratégia sem ter participado da pesquisa. É possível fazer, mas eu gosto de estar nos dois caminhos, nos dois lugares. É muito difícil fazer a pesquisa e não receber pelo menos algum start da parte de estratégia. Porque o que eu mais gosto, e onde eu me encontro melhor, é nessa tradução. Eu gosto de traduzir os dados, eu gosto de campo, gosto de gente, gosto de conversar, de fazer essa tradução entre a pesquisa e a estratégia e descobrir como aquilo indica insights e comportamentos.
Eu amo poder ser tudo. Eu amo poder entregar em vários formatos. Eu consigo entregar em vídeo, em documentário, em roteiro, em texto, em um milhão de coisas. Eu gosto muito de brincar com essa parte da tradução. Então, no geral, eu tenho que educar quem me contrata e falar: “Então, eu consigo entregar um pouco mais, eu consigo fazer isso daqui também. Você está me pedindo um negócio que dá para aumentar, consigo te vender um pouco mais.” O que acaba acontecendo é que eu vou para um lugar um pouquinho maior ali, me encaixo melhor nas coisas.
“No geral, eu tenho que educar quem me contrata e falar: ‘Então, eu consigo entregar um pouco mais, eu consigo fazer isso daqui também. Você está me pedindo um negócio que dá para aumentar, consigo te vender um pouco mais’.”
Primeiro de tudo, quando me mandam um e-mail com três frases explicando o trabalho que eles querem, eu peço um briefing completo ou uma conversa. Eu peço para me explicarem exatamente o que é o projeto, o que eles esperam de mim. Busco saber se me indicaram como pesquisadora ou estrategista e, dependendo do caso, proponho uma fase de pesquisa um pouco maior e digo que consigo entregar para essa parte também.
Ou quando me pedem para fase muito específica, eu falo que consigo atuar na análise também por x valor, ou apresento que, além da campanha, o projeto pode virar um livro, um vídeo. Eu começo a partir do que me interessa, do espaço que tenho ali, e indico outros caminhos para tentar expandir esse olhar. Vai além de apenas me vender, é sobre expandir o projeto. Eu acho que o ponto principal é que todos dados de uma pesquisa ou estratégia tem que chegar nas pessoas de uma forma gostosa.
“A pesquisa é muito pouco tangível, fica a sensação de que eu vou trazer respostas prontas. Mas a verdade é que eu vou trazer uma potência muito grande para o projeto porque tem muito potencial engessado.”
Exatamente, porque se eu for fazer somente o que ele pediu, legal, eu vou fazer, mas olha só o tanto de coisa que você não pôde pegar.
Estou trabalhando na criação de plataformas de inovação, na fase de pesquisa, quanti, quali, social listening, um milhão de métodos. E aí sigo com entrevistas, comunidade focal, comunidade online, e entro numa fase de estratégia. Com isso, entendemos o que tem que ser feito de fato. Como teria que ser essa plataforma? Sentamos com especialistas, fazemos um sprint e cria-se os termos da coisa. Qual será o tamanho da plataforma? Qual será o assunto de inovação? Vou entendendo na fase de pesquisa como isso se traduz para estratégia e para o produto em si.
Tem um caminho específico do plano, mas não tem um formato. Acho que a galera se perde nisso. Não existe um formato, pode ser qualquer coisa. Pode ser uma plataforma de inovação, pode ser um negócio, pode ser literalmente um carnaval, pode ser qualquer coisa.
“Estratégia tem um caminho específico, mas não tem um formato. Acho que a galera se perde nisso. Não existe um formato, pode ser qualquer coisa.”
Semanalmente eu penso que eu adoraria fazer um site (risos). Mas tem muitos níveis de complicação. Eu não assino sozinha as pesquisas, geralmente tem uma equipe comigo. Então não é uma coisa que eu dirigi – eu coordenei, mas não sai no meu nome. São várias análises e mesmo assim eu não posso publicar o resultado de uma pesquisa porque é para uma marca ou para uma empresa. Tem uma série de contratos de confidencialidade, eu não posso sair publicando. A mesma coisa com estratégia, e às vezes com os resultados finais.
É muito complicado achar o que eu posso comunicar do meu trabalho. Acaba que vou me conectando com as pessoas. São elas quem podem me vender, confiar no meu trabalho e acreditar nele. Tanto as envolvidas no processo, como as que estão próximas e são afetadas com o resultado final. São poucas as coisas que eu poderia publicar. Acaba que eu faço isso mais no Instagram e no LinkedIn que é onde eu consigo descrever sem necessariamente publicar coisas, mas eu vou gerando outros movimentos que acabam sendo off-line.
Isso é muito louco. Eu nunca fui CLT na minha vida, mas também jamais fui fixa em lugar algum. Sempre fui 100% freelancer. Rolou muito medo no meio do caminho, mas a dica que eu dou além de “respira e coragem”, é entender esse lugar de se vender, de ir construindo suas bases e suas estruturas.
Construa uma rede forte de pessoas que irão te indicar e querer seu trabalho. Entenda qual é o diferencial do seu trabalho, se posicione, dê uma boa aterrada ali. E ainda sobre se vender, entenda qual é o melhor meio. O Instagram acaba sendo um bom meio para mim apesar de publicar menos do que eu gostaria. Qual é o jeito que você pode falar sobre seu trabalho que só você vai saber falar e que não vai parecer que está se vendendo? Ou quando você fala sobre o que você acredita e o que te estrutura, o que vai fazer as pessoas te olharem e falarem: "Cara, essa pessoa é muito foda. E ela também é diretora de arte, vai ser muito legal ter esse olhar no meu trabalho."?
“Qual é o jeito que você pode falar sobre seu trabalho, que só você vai saber falar, e que não vai parecer que está se vendendo?”
As pessoas vão lembrando, se conectando a você. É entender se é Instagram, portfólio, um conjunto das duas coisas, produção de conteúdo mais firme. Quase como juntar peças porque você entregou outras coisas e juntando, você é a pessoa perfeita para isso, entende? Fez sentido?
E deixar as pessoas fazerem essas conexões. Do tipo, legal, você viu meu LinkedIn e viu que eu sou essas doze coisas, mas como digo no Instragam que sou essas coisas? Como é que digo que sou pesquisadora? Como é que eu passo um texto no e conecto esses pontos, e não fica chato de ler? Como é que você vai sentir que sou tudo isso?
Não tente entrar em nenhuma caixinha, porque jamais caberá, sempre irá te atrapalhar. E se entrar, entre estrategicamente para construir algum caminho para você. Eu fui produtora por muito tempo até que eu conseguisse mudar um pouco a forma de produção e conseguisse me bancar, pagar meus boletos com pesquisa. Então, como é que você vai usar desses caminhos de forma estratégica até conseguir bancar esse discurso e vender todas as coisas que você é? Mas já se venda complexo e completo.
“Não tente entrar em nenhuma caixinha, porque jamais caberá, sempre irá te atrapalhar. E se entrar, entre estrategicamente para construir algum caminho para você.”
Como é que você vai fazer as pessoas entenderem que você é foda, que você faz mais de uma coisa, que você é muito bom conectando todas elas? O que as pessoas vão ganhar te contratando? O que as pessoas ganham contratando você? Eu acho que mais do que defender um título ou uma profissão é pensar: “Por que a Monique é uma pesquisadora diferente? O que ela me entrega de foda? Que valor está vendendo?“. Pense diferente. Esse é meu conselho.
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Conheça mais do trabaho da Monique:
Produção, edição de texto e vídeo: Denise Saito / Transcrição: Raissa Soutelinho