entrevista

Rony Hernandes

Fotógrafo e Diretor Criativo
20 de Maio de 2021

Denise: Denise: Oi, Rony, fale um pouco sobre quem você é e também sobre o seu trabalho.

Rony: Oi! Desde já, muito obrigado pelo convite! Bem, sou Rony Hernandes, um artista múltiplo. Trabalho com fotografia, direção criativa, também filmo, modelo... Faço um pouquinho de tudo. Mas grande parte do meu trabalho é concentrado na fotografia e na direção criativa. Nessas duas áreas tenho a chance de aprofundar os processos de criação das ideias que eu quero desenvolver.Especificamente como fotógrafo, trabalho com retrato, fotografia de moda, ensaios pessoais e também em alguns projetos publicitários. Atualmente estou fazendo alguns projetos mais voltados para o vídeo também. Resumidamente, se o trabalho envolve movimento, sentimento, se posso “pirar”, estou dentro!


Vejo muita gente que passa primeiro pela publicidade, pelo design, enfim, por outras áreas, e depois faz a migração para a fotografia. Mas você não fez esse caminho. Como descobriu que queria trabalhar com fotografia?

Essa decisão partiu muito da minha paixão pela fotografia, que eu descobri muito cedo. Aos 13 anos, já queria trabalhar para comprar uma câmera. Fotografar sempre foi um hobby, mas eu queria entender, conhecer e aprender cada vez mais. Eu gosto muito da possibilidade de se reinventar que existe na fotografia.  


Mas em algum momento você passou por um desvio de caminho, decidiu fazer outra coisa e voltou? Como foi a sua trajetória?

Eu fiz o curso técnico em fotografia, mas, devido à insegurança que colocavam em mim e também a minha própria, não tinha certeza se queria trabalhar com isso. Sempre fui muito organizado financeiramente, então, tinha medo dessa profissão ser instável. Até que chegou um momento na minha vida em que eu entendi que precisava escolher um caminho.

Na época, estava em um trabalho específico, CLT, e aconteceu de eu ter um projeto fotográfico na mesma data em que eu precisava estar no meu trabalho “formal”. Então, o meu chefe, que era uma pessoa muito legal, me encorajou para que eu seguisse na fotografia. Ele falou “Ou você trabalha aqui ou com fotografia. O que que você quer fazer?”. Neste momento,  percebi que se eu gostava tanto dessa profissão, por que não tentar? Foi aí que assinei o termo “Vou ser fotógrafo”.

Como a maioria das pessoas que trabalha com fotografia, hoje você é freelancer. Conta um pouco como foi a adaptação para este modelo de trabalho autônomo e como você conseguiu os seus primeiros projetos.

Eu comecei a fotografar enquanto ainda estava no meu trabalho CLT. Na época, eu fotografava em baladas e uma delas me pagava para eu fotografar semanalmente. Essa renda fixa da balada me deu um certo alívio e uma segurança, porque, de certa forma, eu poderia me manter. Mas, claro, precisaria me esforçar um pouco mais para conseguir outros trabalhos e suprir todas as minhas despesas.

Sempre fui muito certinho com finanças, uma pessoa que se programa e pensa muito no que vai fazer. Então, como já estava acostumado a trabalhar desde cedo.

“No começo da minha carreira como fotógrafo eu fiz de tudo, desde fotógrafo de festa infantil a assistente de fotógrafo em casamento. Mas aos poucos fui afunilando e encontrando o meu segmento.”

A sua família demonstrou alguma objeção quando você escolheu a fotografia e não uma carreira, digamos, mais tradicional?

Felizmente, meus pais sempre me deram apoio para que eu fizesse as coisas que eu queria. Meu pai muito mais que a minha mãe. Para ele, desde que eu conseguisse me manter e fazer minhas coisas, tudo bem.

Desde cedo, eu tive muito essa ideia de que se eu quero, eu posso, eu consigo. E meu pai sempre me incentivou a fazer as coisas que eu queria. Hoje vejo que ele é um grande fã de tudo o que eu faço, sempre interage com as minhas coisas no Instagram, me dá uma super “pilha”. Diferente de muitos amigos meus, que não são apoiados por terem escolhido uma profissão mais artística, eu tive essa sorte.


Conta um pouquinho sobre um projeto seu, o “Nós Um”. Como esse trabalho surgiu, qual era a proposta e como foi o seu processo criativo?  

O “Nós Um” é um trabalho muito importante pra mim, ele saiu em três plataformas e o retorno que eu tive foi muito legal. Como foi um trabalho grande e o último autoral que fiz antes da pandemia, dá aquela saudade de reunir uma equipe grandona, sem precisar de máscara, exames e afins. Este trabalho foi realizado com a Tuttan, uma agência majoritariamente negra, de Curitiba, e que na época estava se colocando no mercado.

Conversando com os criadores da agência, que são um casal de amigos que eu já conhecia e de quem eu gosto bastante, sugeri que a gente produzisse alguma coisa para o lançamento da marca. Como era o nascimento da agência e o surgimento de um novo material para mim, o trabalho refletiu o surgimento de um Todo, da potência da união, pensando na ideia de que juntos causamos mais, geramos mais efeito e poder. Então, unimos a essência da Tuttan, que é a preocupação em ter modelos com diferentes tons de pele, ao meu trabalho, que também aborda essa questão.

A gente fez um trabalho completamente de guerrilha, que uniu muitos artistas potentes em Curitiba. Nós pensamos, conversamos, definimos os segmentos, a abordagem. Fomos “pirando”, trocando, e na hora tudo aconteceu.  

“Nós Um” Foto: Rony Hernandes em parceria com Tuttan.co

Quando o assunto é briefing, como é a sua relação com cliente? Você costuma receber uma diretriz mais pronta ou o cliente traz uma ideia aberta e você ajuda no processo criativo?

Existem situações e situações. Pelo fato de eu ter uma estética muito marcada no meu trabalho, costumo receber um briefing semiaberto que me permite ter liberdade para criar. Geralmente, os contratantes que me procuram também querem uma direção criativa. Mas, às vezes, vem um trabalho muito fechadinho, justamente pelo fato de se parecer comigo. Há trabalho e trabalhos.


Eu vejo que ser diretor criativo tem muito de ir fazendo e descobrindo no meio do caminho. É isso mesmo? Como foi o processo de se descobrir nesta função até o momento em que você se intitulou diretor criativo?

A melhor dica que a gente pode dar para uma pessoa que quer trabalhar com direção criativa é realmente fazer e estudar. Estudar cada vez mais sobre tudo o que possa  interessar e todos os segmentos possíveis. Porque quanto mais bagagem você conquista, mais a sua criatividade para trabalhar será suprida.

Porque, afinal, quem trabalha com direção criativa pesquisa tendências, estuda o que é interessante, procura saber como, por que e quando abordar cada coisa. Eu sou uma pessoa muito perfeccionista, até demais às vezes, então eu sempre vou fundo nas minhas criações. Por que essa cor? Por que esse sentimento? Por que essa pose?  Por que essa angulação? Conforme eu fui fazendo, fui entendendo.  

“Como fotógrafo, compreendi que poderia pensar essas questões em outros materiais, como em uma campanha, num vídeo, num curta. Nesta posição, me redescubro a cada novo trabalho.”

Tem um outro trabalho seu, sobre o qual gostaria que você comentasse, que são as fotos para a Revista CULT. Como esse trabalho chegou até você, qual era o contexto e como foi o processo de criação até o resultado final?

A história da capa para a CULT aconteceu de forma engraçada. Eu recebi um telefonema, um número de São Paulo, e na época achei super estranho porque eu só ligo ou recebo ligação quando se trata de algo realmente urgente, um trabalho para “ontem”.  

Eu atendi, me perguntaram se era eu e se eu era fotógrafo. Na hora eu pensei que era um trote. A pessoa me disse que era da Revista CULT e que queria usar uma foto minha para ilustrar uma matéria de capa. Daí eu pensei “com certeza é um trote!”. Esse contato pela ligação foi muito legal!

Então, como coincidentemente eu estava em São Paulo, propus de marcarmos uma reunião. Ainda não morava na cidade, mas estava por aqui. Me perguntaram se eu poderia ir à editora e combinamos para a semana seguinte, quando eu conheci toda a equipe da revista, que são pessoas incríveis e maravilhosas.

Foi uma das estagiárias que apresentou o meu trabalho para a equipe e todo mundo se apaixonou.  O tema da edição era “Cartografias da Masculinidade” e eles queriam imagens que eu já tinha, pois eu sempre abordo a questão do ser, de diferentes lugares, no meu trabalho.

Inicialmente, queriam apenas uma foto, que era a da capa, mas conforme a gente foi trocando, entenderam que eu tinha outras fotos que poderiam ilustrar a matéria. Ao todo, foram cinco fotos escolhidas comigo, o que me permitiu sugerir em qual parte da matéria determinada foto poderia ficar legal.

“Quando a revista foi publicada, andar na Av. Paulista e ver meu trabalho em toda esquina, me deu um gás gigantesco. Em um momento desses você pensa “É, realmente, o que eu escolhi está valendo a pena!”.
Rony Hernandes para Revista CULT

Então é comum você ser chamado para produzir coisas novas, mas também, em alguns casos, as pessoas solicitarem trabalhos que você já tem para adaptarem a um contexto específico?

Sim, super comum! Tanto que uma foto exclusiva, que já estava pronta, mas que eu não tinha postado, entrou na matéria.  Já vendi muitas fotos para campanhas de publicidade, matérias, revistas, todas que já tinham sido produzidas.  Acontece de alguém de uma revista ver uma foto específica e me procurar querendo usá-la para ilustrar uma matéria.  A minha primeira campanha internacional, por exemplo, foi com uma foto autoral, que fiz de um casal de amigos meus, e que rodou Itália, França e Espanha. Do nada, tem uma foto que eu fiz e que está circulando o mundo!


E como começaram a aparecer essas oportunidades fora do Brasil?

O Instagram é a principal plataforma que eu uso para expor o meu trabalho, dizer quem eu sou, compartilhar as minhas pesquisas e processos. Aos poucos estou ganhando alguma visibilidade e, conforme o tempo passa, o meu trabalho vai chegando a lugares que, às vezes, eu desacredito. Um exemplo foi esse último trabalho de que falei, que aconteceu o ano passado, quando uma agência na França entrou em contato comigo querendo fotos para uma campanha que rodou diversos países.


Falando do seu Instagram, eu gosto muito quando você compartilha os processos nos stories, mostra o backstage do trabalho. Percebo que algumas fotos que são muito bonitas e que parecem ser super produzidas, na verdade, têm uma produção simples. Essa simplicidade é bem marcante no seu trabalho, o que é maravilhoso porque gera um resultado incrível. Partindo dessa questão da simplicidade, você acredita que menos é mais?

Acredito que afirmar que menos é mais pode ser um pouco complicado. São situações e situações, trabalhos e trabalhos. Eu, infelizmente e também felizmente, aprendi a criar, criei e crio muito a partir das minhas limitações. Entendi que, para mim, a criatividade vive na simplicidade. É preciso entender como as coisas funcionam, entender a “sevirologia”, saber se virar com o que você tem. Mas, ao mesmo tempo, precisamos tomar cuidado para não romantizar as dificuldades. Se a gente parar pra pensar, a fotografia é uma profissão muito cara.  

É claro, que com o celular a gente consegue fotografar e trazer um resultado potente pro nosso trabalho, é só a gente pensar na nossa verdade. Mas com uma câmera full frame, uma câmera mirrorless, você vai ter outro retorno. Em alguns trabalhos específicos você vai precisar desses equipamentos para conseguir um bom resultado.

“O princípio de pensar que a criatividade vive na simplicidade é o de não deixar de fazer algo porque você não tem alguma coisa. É pensar que se eu quero fazer algo, mas ainda não tenho tudo o que é preciso, como posso fazer com o que eu tenho?”

A partir do momento em que você faz, talvez você esteja subindo um degrau pra conseguir fazer ou refazer da forma que você conseguiria num futuro próximo.  


A gente vê que o seu trabalho tem uma essência, uma autenticidade. Para os seus projetos, qual é a importância de se conhecer e reconhecer essa autenticidade?  

É muito sobre fazer as coisas com verdade, algo que eu prezo muito no meu trabalho. A partir do momento em que a gente faz o que gosta, e faz verdadeiramente bem, de forma genuína, colocando a nossa verdade ali, as coisas acontecem.

Jamais romantizando o “corre” das pessoas, porque ser artista no Brasil não é fácil e, às vezes, você faz, faz, faz... e parece que não vai chegar a lugar nenhum.

“Do começo do ano pra cá, eu venho refletindo muito sobre essa questão de Ser. Ser quem a gente é e fazer o que a gente gosta. Não ficar se limitando ou se esforçando para se encaixar em alguma bolha específica.”

A partir do momento que você entende que, como diz uma amiga minha, “É sobre ser, o resto é reflexo”, eu acredito que o nosso trabalho começa ter um retorno e a alcançar pessoas que entendem que o que a gente faz é foda.


Falando sobre filmes, que é uma outra vertente do seu trabalho, a demanda pela criação de filmes foi surgindo naturalmente, como na direção criativa, ou você buscou trabalhos neste sentido?

Desde cedo o cinema me atravessa, a filmagem me atravessa. É um segmento do qual eu sempre gostei, sempre amei, mas, pelo fato de ser perfeccionista, eu ficava pensando “Preciso estudar mais, preciso estudar mais”. Em 2019, quando vim para São Paulo fazer um intensivo de cinema, entendi que, sim, existe muita potência no Rony como filmmaker.

Porque uma coisa é ser fotógrafo e outra é ser filmmaker. É claro que o fato de eu ser fotógrafo, facilita algumas questões para a profissão filmmaker, mas são profissões diferentes.

Eu tenho um parceiro de trabalho, o Jack Bones, com quem costumo criar muito em vídeos e em imagens também. Toda vez que a gente faz um novo trabalho, a gente se encontra cada vez mais no lugar de filmar coisas.  Pelo fato de eu vir da fotografia, do movimento, da junção com a dança, sinto que eu quero que uma imagem vire um vídeo, que crie um movimento. Eu me vejo muito como um artista múltiplo que tenta agregar todas as artes num único lugar.

Estou fazendo, entendendo, estudando cada vez mais para me aperfeiçoar. Ainda fico inseguro para me colocar como filmmaker, mesmo sabendo que já sou. Sempre fico com aquele pensamento de que ainda não está perfeito. Mas, a verdade é que a gente esquece que a perfeição não existe.

Agora, sobre ser autônomo, quais são suas maiores dificuldades em ser a pessoa que é a sua própria empresa e como você lida com essas dificuldades?

Faz dois anos que eu me mudei para São Paulo. E São Paulo é um caos. Você mora aqui e com certeza vai concordar comigo: tem mês que a gente está perfeita, finíssima, rica em Paris (risos)… talvez, rica não, mas conseguindo pagar tudo. Mas tem alguns meses que a gente conta moedinha porque não apareceu nenhum trabalho.

“Acho que a maior dificuldade é lidar com a inconstância de trabalhos. Porém, a partir do momento em que você entende essa realidade, começa a se programar. Quando entra um trabalho grande, sei que preciso guardar dinheiro porque é provável que mês que vem não apareça nada.”

Temos que entender que é preciso se programar financeiramente e, às vezes, a gente não consegue. Em meio a uma pandemia, então! Fica muito complicado. Mas quando a gente gosta do que faz, mesmo sofrendo, a gente se esforça para fazer as coisas acontecerem.


Aproveitando esse gancho sobre os perrengues, gostaria que você desse um conselho para as pessoas que estão começando na fotografia e têm medos ou se sentem inseguras.

Olha, eu vejo que é muito pregado para jovens que estão pensando em trabalhar com fotografia, ou qualquer área artística, que a arte não dá dinheiro. Mais uma vez, insisto em dizer que a partir do momento que a gente gosta muito do faz, a gente traz potência para o nosso trabalho.

Eu já fotografei muitas pessoas mais velhas que não estavam satisfeitas em suas profissões e que agora estão entrando na fotografia. Já tive muitos alunos e alunas, na casa dos 30, 40 anos, mudando de profissão porque, mesmo sempre gostando de fotografia, resolveram focar em outras profissões e não foram felizes.  

É muito importante se programar e entender no que eu posso me aplicar, qual é o melhor caminho a seguir, o que eu gosto de fazer e como posso ter um retorno financeiro a partir disso. É preciso colocar verdade na nossa escolha e, claro, jamais romantizando o que é ser artista, porque a gente precisa pagar nosso teto, nossa alimentação... Mas, a partir do momento que entendemos do que gostamos, precisamos encontrar uma forma de obter retorno disso. Talvez, no início será preciso se equilibrar entre trabalhar com fotografia, ou com a arte que você goste, e com outra coisa. Aos poucos você vai conseguindo resultados e poderá focar 100% nessa área artística que você quer seguir.

Mas, sendo bem tio, bem professora, não desista do que você gosta.

“Não desista dos seus sonhos porque, às vezes, parece que está muito difícil, mas, aos poucos a gente vai hackeando os lugares e conquistando os nossos espaços.”

Conheça mais sobre o trabalho de Rony:
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